Gaúcho, vascaíno, revolucionário e ditador, Getúlio Dornelles Vargas esteve na presidência do Brasil por quase 20 anos. Tomou o poder em 1930, foi eleito indiretamente em 1934 e fechou o Congresso em 1937, inaugurando a ditadura do Estado Novo. Só saiu em 1945, quando se exilou em sua cidade, São Borja. Mas voltou, eleito pelo povo em 1950. Em meio à crise que atingiu seu mandato, avisou que só morto sairia do poder. Às 8h30 de 24 de agosto de 1954, a promessa foi cumprida pela bala de revólver que disparou contra o próprio peito. Aos 72 anos, saía da vida para entrar em História.
Euclides da Cunha – O senhor ficou 19 anos no poder. Não se cansou de ser presidente?
Getúlio Vagar – Imagine! Eu achava uma delícia. Claro que havia ossos do ofício. O Carlos Lacerda pegando no meu pé, por exemplo, era um verdadeiro saco. Aquele asa-negra foi um dos articuladores do golpe militar de 1964 – e, não fosse minha… “saída estratégica” em 1954, ele teria conseguido seu intento muito antes.
EC – Por “saída estratégica” o senhor quer dizer “suicídio”?
GV – É, isso mesmo. Eu não gosto da palavra, sabe?
EC – Qual foi sua prioridade na política?
GV – Eu tinha um projeto para o país. Queria libertar a nação do modelo agrário-exportador, fundar as bases para o desenvolvimento da indústria, levar o Brasil à modernização. Eu insisti no lance da Petrobras, da Eletrobrás, da Companhia Siderúrgica Nacional e da Vale do Rio Doce.
EC – Entendo. Mudando de assunto, gostaria de saber se a alcunha de Pai dos Pobres lhe agrada?
GV – Eu acho até que bonitinha. Mas foi muito usada pela oposição para fazer graça. Eles começaram a me chamar de Mãe dos Ricos. Como é sabido, implementei muito rápido uma política de direitos para os trabalhadores: décimo-terceiro, férias, salário mínimo, descanso remunerado… Agora, é fácil criticar e desmerecer isso quando você é um intelectual que nunca pisou num chão de fábrica.
EC – O que o senhor achou de Fernando Henrique Cardoso ter dito, em 1994, que a era Vargas havia acabado?
GV – Bah, tchê! Acho ingênuo. O Brasil segue, para o bem e para o mal, baseado nas mesmas políticas de desenvolvimento que eu implantei. As legislações sindical e trabalhista, por exemplo, continuam basicamente as mesmas.
EC – E a famosa carta-testamento? O senhor mesmo a redigiu?
GV – Tem gente que diz que foi um assessor que a escreveu. Mas isso é intriga da oposição. Não que eu fosse lá um grande escritor, mas ocupei até cadeira na Academia Brasileira de Letras. Claro que minha eleição para a ABL foi, em boa parte, iniciativa do cordão dos puxa-sacos. Mas não elegeram o Sarney, anos depois? Parece que os imortais lá gostam de ter um presidente por perto.
EC – O senhor se arrependeu do seu suicí… quero dizer, de sua saída estratégica?
GV – Mas qual! Eu mudei o Brasil. Não fosse meu governo, as pessoas provavelmente estariam morando em uma fazenda e pagando caríssimo por coisinhas bestas, como um rádio ou um aparelho de TV. Me diverti muito com as imitações que o Oscarito fazia de mim, fiquei no imaginário popular, fui tema de marchinhas, livros e séries e batizei avenidas em incontáveis cidades do Brasil. Renunciar é que eu não ia, apesar dos abutres esperarem por isso feito os meus conterrâneos esperam um bom churrasco. Voltei ao Catete nos braços do povo, como havia predito, e só saí de lá morto – também como havia avisado. Sou um gaúcho de palavra. E me orgulho disso.
*Carlota Joaquina fala sobre a conspiração contra dom João
euclidesdacunha | 20/04/2012
Nascida infanta da Espanha em 25 de abril de 1775 e morta rainha de Portugal em 7 de janeiro de 1830, Carlota Joaquina Teresa Cayetana de Borbón y Borbón, ou apenas Carlota Joaquina, tinha um apetite sexual insaciável e um gênio irascível. Conspirou contra o marido dom João e o traiu a torto e a direito. Acompanhando a corte portuguesa em fuga, viveu no Brasil entre 1808 e 1821, mas nunca escondeu seu desgosto por abandonar a Europa. Figura controversa, Carlota tinha suas razões para ser assim – e expôs algumas delas nesta entrevista exclusiva.
Euclides da Cunha – Dona Carlota, a senhora foi acusada de ter sido infiel e uma grande conspiradora. É verdade?
Carlota Joaquina – Olha, digamos que eu levava uma vida meio tediosa, e sempre precisei de fortes emoções. Não tinha novela para a gente acompanhar na época, então eu criava meus próprios romances e intrigas, sabe?
EC – Entendo. Mas sigamos: a senhora pode explicar a mordida que deu em seu marido na noite de núpcias?
C – Claro que posso. Eu me casei aos 10 anos. Já o João tinha 18. Quando ele começou a me agarrar, não tive dúvidas: acertei-lhe uma bela mordida na orelha. Depois disso, o fiz assinar um contrato dizendo que eu poderia consumar o casamento só aos 14. Tenham dó, né?
EC – Mas, mais tarde a senhora se libertou deste trauma, correto? Até dizem que nem todos os seus filhos eram de seu marido…
C – E podem dizer mesmo! Eu tinha muitos amigos… Ok, amantes. E não é possível precisar a origem de todos os guris. Mas não me envergonho e nem me arrependo. Eu tinha opinião própria – só dei azar de ela nem sempre bater com a do senhor meu marido, aquele asno.
EC – A senhora participou de um grupo de conspiradores que tentaram dar o golpe em dom João em 1805. Por que fez isso?
C – Em primeiro lugar, deixe-me esclarecer uma coisa: todo mundo acha que o João era um coitado, que vivia atormentado pela esposa pinel… Não é bem assim. Ele era bem esperto e suas decisões eram bastante políticas. Só que eu achava que ele não tinha pulso firme o suficiente para defender nossa estirpe, a nobreza. A Revolução Francesa já tinha chacoalhado todas as monarquias da Europa e, tempos depois, aquele pulha preferiu fugir do Napoleão no fim de 1807 em vez de lutar.
EC – Mas a senhora acha que os portugueses teriam alguma chance contra Napoleão?
C – Ah, sei lá! E eu entendo de estratégia, agora? Mas preferia morrer lutando. Sou desse tipo. Tanto que, até o fim da vida, jamais deixei de tentar tomar o poder ou controlar as coisas.
EC – E do Brasil, a senhora gostou?
C – É claro que não. Pois você não sabe que, ao sair desse país miserável, bati as solas dos sapatos no porto e declarei que desta terra não queria levar nem o pó?
EC – Eu ouvi falar desta história, mas achei que como outras tantas, fosse lenda.
C – É, talvez seja… Já inventaram tanta história a meu respeito que, para ser sincera, nem eu mesma lembro direito o que é fato e o que é fofoca! Não gostei do calor, dos mosquitos, do mato e de ficar meses sem ter notícias da Europa.